Muitas versões existem desta natureza sombria, assustadora, e, por incrível possa parecer, alegre e linda. Falo da Dama de Branco que aparece nas estradas, sem mais nem menos, em algumas ruas em penumbra de madrugada e também na praia.
Às vezes, arrependo-me de acender a fogueira e de convidar amigos para saborear um marimbá na brasa porque sempre aparece Seu Vadinho. E chega como quem não quer nada ou vem vistoriar se bagunçamos o seu tão amado canto de praia. Chega, olha e senta-se sem ser convidado, um ancião no meio de jovens.
Pergunta pelos pais de uns e de outros. Olha cada um nos olhos. A brasa rubra ao vento ilumina de forma estranha, dando vida às formas das pedras e ao movimento das ondas em praia serena.
Um casal a quase despercebido, buscando uma pedra para um namoro em sons de mar. Ele em azul vestido, ela de branco rendado… Não sei se foi gatilho para uma história ou se Seu Vadinho veio preparado, eu, confesso, percebi, mais uns calafrios na somatória de tantos. Fiquei quieto, remexi as brasas, coloquei café para ele numa caneca de barro. Agradeceu com um movimento de cabeça, olhou novamente para meus amigos, soltou um pigarro, enrolou seu cigarro de palha, esfregou a mão para livrar-se do farelo do fumo de corda ali cortado, olhou o mar e soltou a voz.
– Vocês sabem que esta praia é encantada, né?
Uma retórica tão variada conforme a interpretação de cada um. Movimentos de cabeça, sorrisos, e até silêncio, porém os olhos denunciavam o medo, sabedor das faces e das aparências, continuou Seu Vadinho a sua narrativa.
Lá pros idos de 1969 vocês ainda eram água no saco dos seus pais, quando aconteceu um caso interessante na volta da praia, ali perto da Vila Nova, depois da barrinha.
Antônio, morador do Beco da Servidão do Caó, arrumava a tarrafa no gongá, enquanto Maria, sua esposa, terminava o jantar. Carlos, o único filho, observava os dois naquela troca de olhares e carinhos. Um quê de preocupação no olhar de Maria foi percebido, questionado e amparado com um doce beijo, para um riso de Carlos. Uma família unida e feliz.
Jantaram em alegria e anedotas. Antônio e Carlos, seu filho, se despediram de Maria, esposa e mãe, Carlos levou o gongá por uns 100 metros e entregou ao pai. Pesara. Antônio dava instruções de pesca para Carlos e supria de promessas à vontade de trazer para casa alguns papa-terras. Seria bom ter algo mais à mesa, já tão limpa das necessidades.

Apontou para o barranco em descida íngreme, terra vermelha, sombras das árvores de restinga, cheiro de mato molhado pela última chuva, um perfume de dama-da-noite se espalhava ao vento, doce e profundo, perfume de jasmim nativo.
A areia branquinha e gelada do caminho agradava pés e mente. “Praia perto”, dizia Antônio. Mas Carlos já sabia, e sorria com a proposta de ensinar do pai, uma curva curta, um comoro alto, suor na testa e descida boa como recompensa. A praia se abre toda, de canto a canto.
Maré de reponto de cheia, o que é bom! Lagamar carregado, corrente para o sul, tudo a favor à boa pescaria. Antônio tira a tarrafa do gongá. Com a ajuda de Carlos, estica a fieira, vem dando arco, um a um, até ter a fieira e tarrafa à mão. Paneia com cuidado, volte e meia um olhar para Carlos. Faz movimento e atira a tarrafa que cai na areia, toda aberta
– Perfeito – diz Carlos.
Antônio vai para a água, colhe uma porção e com ela faz o sinal da Cruz, beija a água e busca a beira do lagamar atirando a primeira de centenas de vezes sua tarrafa.
Noite de lua, fresca e boa noite de luar! Antônio caminha contra vento e atira a seu favor: um ou outro papa-terra e troféu. Carlos corre para colocar o peixe no gongá, brinca com o pai sobre a pouca sorte. Volta Antônio ao mar, fica Carlos rabiscando areia.
A praia deserta, era convite para melhorar a faina, pensava Antônio. Tempo ando, e ou rápido. Meia-noite e vinte e um (0h21), marcava no relógio de Carlos, presente de Natal. Rabisca daqui e dali o graveto se quebra. Carlos busca outro costeando comoros, encontra um mais forte, na entrada de um caminho.

Feliz, vira-se para a praia e neste momento ouve uma voz de mulher. Pára, observa, busca com o olhar a origem do som e vê saindo do caminho uma jovem mulher, toda de branco. Vestido longo, bainha arrastando na areia, bordados cobriam ombros e seios. Um rosto lindo! Pele branca ao luar, cabelos longos e negros, um sorriso alvo e radiante. A voz, doce e cativante! Carlos sentia-se atraído por ela e puxou conversa.
– Boa noite! A senhora esta sozinha nesta praia deserta? É perigoso!
– Tudo bem. Estou protegida. Boa noite! Quem é você?
– Sou Carlos e estou com meu pai, que está lá tarrafeando – apontou para a praia – e a senhora quem é?
– Sou moradora daqui desta vila – apontou para o oposto da praia – fiquei entediada e vim caminhar.
– A Senhora estava numa festa? esta tão bem vestida…
– Sim, estava num casamento, a festa ficou triste e resolvi vir para cá.
– E você Carlos?
– Eu, como falei, vim pescar com meu pai. Moro mais adiante na vila maior.
– Você estuda?
– Sim, estudo. Já ei até de ano.
A mulher sem nome sorriu, um belo sorriso. Carlos, em alegria, não percebe que o tempo a, embora para ele tenha parado naquele rosto lindo… Um assovio e Carlos volta à realidade. O pai chama. Olha para a dama e estende a mão em cumprimento de despedida. Até aquele momento, Carlos não percebera que a dama mantinha as mãos dentro das mangas do vestido. Assim que ele dá a sua, ela retira a mão oposta e a estende para ele. Carlos então solta um grito, ao ver apenas ossos na mão da dama.

O grito alertou o pai, que correu, correu, gritou, chamou o filho pelo nome, e nada. Só desespero e lágrimas. Busca lembrar de onde veio o grito. Segue abandonando tarrafa e peixe. Corre, corre, até que na luz difusa da lua encontra Carlos caído, com rosto pálido, quase sem vida, Com o coração aos saltos, o pai coloca Carlos sobre o ombro e se envereda pelo caminho à sua frente, por onde veio a dama, caminho conhecido.
Quantas vezes caíram, quantas outras cairiam. Gritava Antônio caminho afora até que, enfim, chegaram às primeiras casas. Novos gritos, desespero, uma luz acende, uma mulher de branco abre a porta da casa, que não vê trato ou conservação, vai até o portão, abre-o e permite a entrada de pai e filho.
Adentram a casa sem perceberem o encantamento. O portão é fechado, a porta é fechada, a luz se apaga, Antônio percebe a agonia e rompe a porta com filho no ombro rezando todas as orações que sabia e inventando outras tantas.
Corre, corre e caem os dois à porta de um bar, dali para o hospital foi mais rápido, atendidos e medicados, nunca mais voltaram à praia na madrugada, pelo menos naquelas bandas.
Seu Vadinho se cala, traga a fumaça do palheiro e observa um quê na beira de praia. Sorri e olha para nós todos.
– Boa noite, vocês…
Quando olhamos e percebemos o que vimos, foi cada um correndo para um canto. Fiquei colado à pedra, percebi que, borrado, cola mesmo. Seu Vadinho ria alto contorcendo-se todo.
A Jovem que estava a namorar nas pedras e que por ventura estava de branco, viera buscar fogo para acender um baseado.
Sem entender, recebe a lenha em brasa, volta para onde o namorado enrola o cigarro.
Começo a perceber que estas noites de fogueira têm das suas alegrias e também algumas de agonia.
Seu Vadinho busca mais café e solta sua frase preferida:
– Seus MERDAS!
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SOBRE O COLUNISTA: Com 45 anos dedicados a criação de histórias e a produção de livros, Dario Cabral da Silva Neto, de 60 anos escreve poesias e se dedica ao desenvolvimento de romances. Dos 21 títulos já escritos, nove foram publicados, o mais recente “Redescobrindo a Vida”.

Entre 1973 e 2000, Dario era, exclusivamente, poeta, mas em 2000, decidiu se transformar em romancista. Entre as surpreendentes obras, que são vendidas por R$ 30, estão os clássicos Catador de Sonhos, Uma Questão de Amor, A Ravina, Pétalas de Amor, O Segredo de Melissa e a Caminhada do Zé Mundão.
Os livros escritos por Dario não têm foco religioso, mas trazem mensagens espiritualizadas.
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